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Em meio à pobreza e sofrimento, missionário testemunha sua experiência na Amazônia

CNBB Sul 1

Padre André Ricardo Panassolo (no centro da foto), missionário do Projeto na Amazônia fala de sua experiência em São Gabriel da Cachoeira (AM).

Eu vi o Senhor! Vi com os olhos da fé! Vi com os olhos do coração! Vi com os olhos da carne.

Vi o Senhor encarnado em crianças paridas em barracos, sem ter o que vestir. Ouvi seu perturbador grito de fome em lábios que não sabem falar, mas que já reclamam seu direito inalienável. Vi-o agonizando na porta de minha casa, engasgado há dois dias, com um espinho de peixe, emitindo um ruído que não abandona jamais a minha memória, tomando ciência, dois dias depois, de seu triste falecimento. Vi-o dormindo o sono da morte, ao lado de Marias, que choravam a partida prematura de seus bebês, que tiveram o futuro ceifado, em pequeninos caixões, que abrigavam, junto com o corpo, seus poucos pertences. Vi-o em covas cobertas pelo mato, sinalizando seus tão diferentes nomes, em cruzes de madeira apodrecidas, onde estavam escritos nomes que não mais podiam ser lidos, porque o tempo se encarregou de apagá-los; ao lado de tantas outras pequenas sepulturas esquecidas, que nem parecem guardar a sacralidade de um corpo que, como semente, aguarda a primavera da ressurreição.

Vi o Senhor flagelado, perambulando por ruas esburacadas, sofrendo no corpo as consequentes dores do flagelo do álcool. Alguns, inclusive, prostrados no chão, em suas incontáveis quedas. São pais, esposos, filhos. São mães, esposas, filhas. São filhos de Deus, envenenados por seus próprios irmãos, que descobriram, na maldição desse vício, uma segura fonte de renda. É o mercado da morte, que aceita o bolsa-família, como paga para destruir a família. É o suicídio lento de quem não tem coragem de dar cabo da vida de uma vez por todas, que afeta todos aqueles que estão ligados, por laços familiares, ao viciado.

Vi o Senhor carregando sua cruz salvadora, aqui chamada waturá. São mulheres sofridas, que enfrentam o calvário diário do trabalho pesado em suas roças, distantes de seus lares, ao custo do suor do rosto, das lágrimas da preocupação pela escassez e do sangue dos calos de suas mãos, para alimentar os seus. Trabalho este quase nunca reconhecido, que garante a vida daqueles que dela dependem. Por vezes, crianças pequenas. Por vezes, filhos adultos e maridos bêbados, verdadeiros parasitas. Arrastam seus gastos chinelos de dedo pelo asfalto da
cidade, depois de terem sido flageladas pelo impiedoso calor do sol, que não se compadece minimamente de seu destino.

Vi o Senhor, falando com o Pai, em sua mortal agonia da despedida inevitável, sem ter, sequer, vinagre para beber, implorando resposta Dele. Do outro lado, silêncio. Não se trata de um Deus ausente ou indiferente, mas de um Pai que sofre, sem palavras, junto de seu filho amado.

Mas, também vi o Senhor ressuscitar! Vi-o saindo vitorioso do sepulcro do vício, rodeado de pequeninos anjos felizes, seus filhos ou netos, que anunciam, com o sorriso, o fim de uma triste e lenta sexta-feira de sofrimento e um aparente interminável sábado de desesperanças.

Eu vi o Senhor, no sacrário das macas de hospital, no ostensório dos casebres, no tabernáculo das mortalhas, na teca das calçadas, sarjetas e ruas, no altar do colo materno, no cibório dos felizes recomeços, tão divino quanto na sagrada migalha de Pão consagrada por minhas mãos sacerdotais.

Padre André Ricardo Panassolo é do clero da Diocese de Amparo e atua como missionário na Amazônia pelo Projeto Missionário entre os Regionais Sul 1 e Norte 1 da CNBB.

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