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Notícias da Diocese › 08/09/2014

Entrevista – Da prensa aos smartphones

Mais de 500 anos nos separam da primeira Bíblia impressa por Gutemberg. Considerado o livro mais lido, traduzido e distribuído de todos os tempos, podendo ser encontrado em mais de 2 mil línguas e dialetos diferentes, acredita-se que desde a primeira versão de Gutemberg, mais de 6 bilhões de exemplares chegaram às mãos das pessoas. Ainda hoje, milhares de Bíblias são impressas, mas as novas tecnologias ampliaram as possibilidades de acesso à Palavra de Deus, por meio dos smartphones e tablets. Eles substituem a Bíblia tradicional? Perguntamos ao padre Darci Dutra, biblista e (…) E mais… a internet permite o acesso à informações de todo o tipo. Até para essa entrevista, padre Darci “baixou” o texto do “Evangelho Secreto de Maria” para responder sobre os “Apócrifos” que circulam pela web e confundem muita gente. O que a Igreja diz sobre esses evangelhos secretos? Padre Darci explica.

Expressão: Com as tecnologias, aplicativos para smartphones e tablets disponibilizam a Bíblia completa para leitura. Esses aplicativos podem substituir a Bíblia tradicional? É correto usar apenas desses meios?

Padre Darci Dutra: Para responder valho-me de alguns dados da revista A Bíblia no Brasil nº 228, julho a setembro de 2010 da Sociedade Bíblica do Brasil. Como ponto de partida, tomemos esse fato: “Com apenas dois cliques do mouse o universo do Livro Sagrado vai se desenhar na tela do seu computador. Parece mágica, mas não é. É pura tecnologia a serviço da Palavra de Deus”, assim é apresentada a Bíblia Digital Glow, com seu conteúdo extremamente rico e envolvente, incluindo o texto bíblico completo em várias traduções, um total de 500 tours virtuais em 360 graus, duas mil e quatrocentas fotos em alta resolução, 700 obras de arte, perto de 150 mapas, além de outros materiais como concordância bíblica, dicionário bíblico e documentários…

A presença da Bíblia no meio digital oferece, portanto, uma alternativa de evangelização para as atuais e futuras gerações ainda sem contato com o texto sagrado. Segundo especialistas, a existência da Bíblia em formato digital é um passo necessário para que a Bíblia permaneça sendo o livro mais lido do mundo. “Precisamos tornar a Bíblia relevante à vida destas pessoas, conectando suas necessidades, bem como comunicando a Palavra de Deus na Linguagem destas gerações, tanto no nível do texto escrito como no da experiência interativa, que o meio digital pode oferecer”, defende Nelson Saba, idealizador da Bíblia Digital Glow.  “Queremos oferecer a experiência de explorar de forma única o mundo bíblico”.

Outro biblista prevê que “as pessoas vão investigar e interagir com a mensagem bíblica de maneira nunca antes pensada”.

Expressão: E então qual vai ser o futuro da Bíblia impressa?

IMG_0014Padre Darci: Segundo Nelson Saba, nas pregações das igrejas evangélicas americanas, por exemplo, os fiéis mais jovens não levam a Bíblia tradicional. A maioria vai munida do texto bíblico em aparelhos portáteis, como celulares e iPads. Por isso, avalia, a Bíblia Digital já tem despontado em pouco tempo como alternativa para o modelo em papel. “Hoje em dia, a realidade de que o mundo está migrando do papel para o digital é gritante. A nossa experiência é que, levando a bíblia para a plataforma digital, nós alcançaremos uma geração que não tem mais o papel como mídia predominante. E nesse ritmo, daqui a 10 ou 20 anos, o mundo digital pode predominar sobre o impresso”, dizia ele nesse artigo já em 2010.

Diante disso, volta a pergunta: A Bíblia impressa tem futuro?  Paulo Teixeira, secretário de Tradução e Publicações da SBB, responde: “Com a TV, não acabou a funcionalidade do rádio. E com o livro não será diferente. A Bíblia impressa vai conviver por séculos com as mídias digitais, sobretudo pela dificuldade de acesso da maioria das pessoas à tecnologia. Seguiremos trabalhando nas duas frentes, pensando no presente e no futuro”.

As Editoras Católicas, por sua vez, oferecem cada vez mais publicações e bíblias em formato digital. A Liturgia Diária com a Palavra de Deus e as orações para a celebração da Eucaristia estão disponíveis em vários sites. A Liturgia das Horas igualmente. Nos encontros e retiros do clero, pode-se observar como muitos acompanham a Oração das Horas não mais com o Breviário em mãos, mas com smartphones e tablets. Inúmeras traduções da Bíblia são igualmente acessíveis como também os principais documentos da Igreja.

Expressão: Algumas pessoas se perguntam a respeito do Evangelho Secreto da Virgem Maria. O que é? A Igreja o aprova?

Padre Darci: Apresento algumas informações tiradas de comentários que nos dão uma ideia a respeito do livro em questão.

Até há pouco tempo os historiadores trabalhavam com poucas referências sobre a mãe de Jesus, o que mudou com a descoberta de um raríssimo manuscrito, escrito por volta do ano 400, que contém um relato quase completo de uma viagem feita por uma monja espanhola, Egéria, à Terra Santa, e o Evangelho Apócrifo da Virgem Maria que Egéria diz ter recebido de um monge grego companheiro de São Jerônimo. Reunidos nesse livro, os documentos revelam uma espécie de diário de Maria, que inicia falando sobre sua vida a partir dos 15 anos de idade, pouco antes de conceber Jesus, o primeiro encontro com o anjo Gabriel, os acontecimentos que precederam seu nascimento, sua saída estratégica da cidade, as visitas do anjo Gabriel aos pais de Maria, Joaquim e Ana, e José, seu noivo.

Baseado no Evangelho Apócrifo da Virgem Maria encontrado por uma monja no final do século IV durante uma viagem que empreendeu à Terra Santa, este livro reconta a vida de Cristo sob o ponto de vista de sua mãe que, já no final da vida, tece suas recordações a João, o discípulo amado de Cristo, quem Ele encarregou de cuidar de Maria. Com sua leitura, vai surgindo a imagem de uma mulher corajosa, que amou e sofreu muito, viu matarem o seu filho e foi capaz de resistir à prova sem perder a fé nem a esperança. Mostra-nos as desconhecidas experiências e dificuldades que ela teve de atravessar para cumprir a missão de ser mãe, educadora e fiel escudeira de Cristo. E, principalmente, nos mostra o lado feminino da mensagem de Cristo, que, para ser plena, precisa ser integrada à sua imagem masculina. Parafresando o que ela mesmo diz, os homens pensam em grandes feitos, e não percebem que o amor, para ser completo, deve se manifestar também nas pequenas coisas.

3Expressão: A Igreja aprova esse livro?

Padre Darci:  Antes de tudo é bom dizer que o “Evangelho Secreto da Virgem Maria” não é um texto divinamente inspirado e tampouco aceito como verdadeiro ou canônico. Sua autoria ainda é incerta, além de em muitos trechos existirem equívocos teológicos. É apenas uma composição literária dos primeiros séculos do cristianismo onde o autor tenta mostrar o mundo através dos olhos da Imaculada de maneira bastante ousada. Entretanto, o Evangelho Secreto da Virgem Maria já traz consigo a concepção da intercessão dos justos, mortos para este mundo, mas vivos para Cristo pelos vivos, confirmando assim que há o céu logo após a morte, há também a idéia de que Maria era de fato a graça em plenitude, e que Maria é pra sempre virgem, além da fervorosa narração relacionada a São José.

Em suma, sendo um livro apócrifo, não é Palavra de Deus, ou seja, um livro inspirado como os outros livros da Bíblia. Podemos dizer que os apócrifos têm informações de cunho cultural ou histórico, que são interessantes para nós, pois revelam o pensamento e as preocupações religiosas de certos grupos dos primeiros séculos do cristianismo.

Há escritos apócrifos que podem ser de grande valia, mas alguns também podem ser decepcionantes. Alguns apócrifos são gnósticos ou carregados de outras heresias e inverdades. Entretanto, vários outros apócrifos carregam consigo fatos verdadeiros e ainda outros que não podem ser confirmados. Dessa maneira, o Evangelho Secreto da Virgem Maria nos traz, uma imagem mariana que ajuda, ao menos em mínimas proporções, a entender o papel da Mãe de Deus na história da salvação, um papel singular que só poderia ter sido cumprido por ela.

Expressão: Outra pergunta: A palavra apócrifo tem algo a ver com a Bíblia?

Padre Darci: “Apócrifo” vem do grego e significa “escondido”, “secreto”, e daí “não autêntico”, e, por isso os “apócrifos” não fazem parte dos livros “canônicos”, isto é, sagrados, inspirados por Deus.  No Novo Testamento, por exemplo, temos 27 livros canônicos. No Antigo Testamento são 46. Na Bíblia Protestante são 39.

Expressão: Como se explica esse fato?

Padre Darci: Lutero propôs uma volta às fontes do cristianismo em vários âmbitos. Quanto à Bíblia, ou melhor, quanto aos livros do Antigo Testamento retomou a lista dos livros da Bíblia Hebraica, tal como foi estabelecida pelos rabinos por volta do ano 100 d. C. Acontece que naquela época já estava em uso entre os cristãos uma tradução da Bíblia em grego, chamada tradução dos Setenta. Nela estavam incluídos outros livros, além dos 39 da Bíblia Hebraica. Vários deles e alguns trechos escritos em grego entraram para o cânon dos livros sagrados dos cristãos. Isso aconteceu já por volta do ano 200 d. C., foi ratificado por sínodos locais da Igreja no tempo de Santo Agostinho, perto do ano 400 d. C., e ficou oficialmente e de modo definitivo estabelecido pelo Concílio de Trento em 1546.

Expressão: Qual é afinal a intenção ou o objetivo dos evangelhos apócrifos?

Padre Darci: Pretendem preencher lacunas da vida de Jesus, Maria e José com narrativas fantásticas e irreais, acrescentando dados e fatos que não estão nos evangelhos canônicos. Nestes, são poucas as informações sobre Jesus nos anos de sua infância, adolescência e juventude até aos trinta anos de idade, salvo uma breve informação sobre o adolescente Jesus aos doze anos (Lc 2,41ss). Surge então a curiosidade natural de conhecer mais detalhes da vida de Jesus, da família de Nazaré e de outras personagens do Evangelho.

Expressão: Pode dar-nos um exemplo disso?

Padre Darci: Sim, nos apócrifos existem histórias bem divertidas. Vou citar uma delas, tirada do Evangelho da infância de Jesus atribuído a São Tomé. É sobre os pardais feitos com barro.

“Quando tinha cinco anos de idade, o menino Jesus estava brincando no leito de um córrego. Recolhendo a corrente em pequenas poças, no mesmo instante a tornava cristalina e com sua simples palavra a dominava. Num sábado, amassando barro, formou doze pardais. Ali havia outras crianças que brincavam com ele. Um judeu que havia visto o que Jesus fazia em sábado foi imediatamente comunicá-lo ao seu pai, José, dizendo-lhe: “Teu filho está perto do córrego, pegou barro e fez com ele doze pardais, e assim profanou o sábado”.

José se dirigiu para o lugar onde estava Jesus, viu-o e lhe gritou: “Por que fazes em dia de sábado o que não é permitido fazer?” Mas Jesus, dando uma palmada e dirigindo-se aos pardais, exclamou: “Voem!” Os pássaros abriram suas asas e saíram voando e piando”.

Comentário: Nessa história o autor quer mostrar um menino Jesus com poderes divinos e palavra poderosa. A cena evoca o agir de Deus na criação do ser humano e dos animais a partir do pó da terra, como é contado no livro do Gênesis.

Expressão: Deixe-nos algumas dicas simples e fáceis para introduzir-nos à leitura bíblica no dia-a-dia.

Padre Darci: Muitas pessoas têm o costume de ler, à noite, os textos da missa ou o evangelho do dia seguinte. Ao fazer isso, estão semeando a boa semente da Palavra. Ela germina e dá frutos até mesmo durante o nosso sono. No dia seguinte, logo cedo, é bom perguntar-se: “Qual é a mensagem, a Palavra de vida para o meu dia, para o dia de hoje?”. E ela será uma luz para os trabalhos e iniciativas desse dia. Os textos bíblicos da liturgia diária nos oferecem um roteiro prático de leitura da Bíblia ao longo de dois ou três anos, que pode ser repetido. Não cansa. A Palavra de Deus permanece eternamente. É sempre nova e atual. Presente no ritmo cotidiano da nossa vida, a leitura da Palavra pode acontecer em dois momentos: o bom-dia de Deus (leitura matutina) e o boa-noite de Deus (leitura noturna).

1Outro meio, apresentado pelo Papa, é a homilia durante a santa missa. “A fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). A memória do povo fiel, como a de Maria, deve ficar transbordante das maravilhas de Deus. O seu coração, esperançado na prática alegre e possível do amor que lhe foi anunciado, sente que a palavra na Escritura, antes de ser exigência, é dom.

E ele explica: “Durante o tempo da homilia, os corações dos que crêem fazem silêncio e deixam Deus falar. O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras diretamente, sem intermediários, mas na homilia querem que alguém sirva de instrumento e exprima os sentimentos, de modo que depois cada um possa escolher como continuar a conversa” (nº 143). De fato, como é bom retomar no dia a dia o que ouvimos e vivenciamos na Eucaristia do domingo que passou!

Leitura orante

“A Palavra é saboreada na experiência da leitura orante. Dirigindo-se a cada um pessoalmente, é também a Palavra que edifica a comunidade e a Igreja. Assim, a Palavra de Deus torna-se a contínua animação da vida e da pastoral de todos os membros da comunidade. Somente em comunidade, a pessoa poderá ler a Bíblia sem reducionismos intimistas, fundamentalismos e ideologias” (CNBB, doc. 100: Comunidade de comunidades, nº271).

São conhecidos os passos da leitura orante:

  1. Leitura do texto em si. O que diz o texto? Ler é ir ao texto com olhar estrangeiro, como se fosse pela primeira vez, entrar no texto, participar da cena. Entrar em relação com o texto e por meio dele com o autor do texto.
  2. Meditação: O que Deus fala para nós por meio do texto? Trata-se de sentir o sabor, de ruminar a palavra e deixar-se iluminar por ela.
  3. Oração: o que o texto nos faz dizer a Deus?
  4. Contemplação: Um novo olhar a partir de Deus. A luz da Palavra ilumina os olhos da mente e do coração para discernir a vontade de Deus nos acontecimentos de cada dia.

Outra prática, recomendada pelo Papa Francisco: ao viajar, levar sempre um evangelho ou pequena bíblia ao alcance da mão.

Nas suas viagens o Papa leva o evangelho na maleta de mão. Falou a esse respeito na homilia de um dos domingos da quaresma. Vale a pena retomar as suas reflexões, sempre tão práticas  e exemplares.  Na cena da transfiguração de Jesus na montanha, o Pai apresenta o Filho amado e convida a escutá-lo.  Papa Francisco comenta: “Escutai-o”. É muito importante esse convite do Pai. Nós, discípulos de Jesus, somos chamados a serem pessoas que escutam a sua voz e levam a sério suas palavras. Para escutar Jesus, é preciso ser próximo a Ele, segui-Lo, como faziam as multidões do Evangelho que o seguiam pelos caminhos da Palestina (…).

Seguir Jesus para escutá-Lo. Nós também escutamos Jesus na sua Palavra escrita, no Evangelho. Faço uma pergunta a vocês: vocês lêem, todos os dias, um trecho do Evangelho? Sim, não… sim,  não… Meio a meio… Alguns sim e alguns não. Mas é importante! Vocês lêem o Evangelho? É uma coisa boa; é uma coisa boa ter um pequeno Evangelho, pequeno, e levá-lo conosco, no bolso, na bolsa, e ler um pequeno trecho em qualquer momento do dia. Em qualquer momento do dia, eu pego do bolso o Evangelho e leio alguma coisinha, um pequeno trecho. Ali é Jesus que nos fala, no Evangelho! Pensem nisto. Não é difícil, nem necessário que sejam os quatro: um dos Evangelhos, pequenino, conosco. Sempre o Evangelho conosco, porque é a Palavra de Jesus para poder escutá-Lo.

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Padre Darci Dutra é religioso e padre dehoniano, vigário paroquial na Paróquia N. S. de Lourdes no Pq. Industrial em SJC. Até o final de 2000, por quase trinta anos, foi professor no Instituto Teológico Sagrado Coração de Jesus em Taubaté, hoje Faculdade Dehoniana. Estudou Teologia na Universidade Gregoriana de Roma, onde também fez o Curso de Exegese Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Estágio complementar em Israel, na Escola Bíblica dos Dominicanos em Jerusalém.

 

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