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Artigos › 06/11/2017

Religião e Política: nem confusão, nem separação

O capítulo 22 do Evangelho segundo Mateus traz uma das frases mais populares de Jesus: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Ela foi proferida em resposta a uma arapuca para colocar Jesus em maus lençóis. Dois grupos rivais – fariseus e herodianos – formam um conluio e perguntam: “É lícito ou não pagar imposto a César?” (Mt 22,17). Se Jesus respondesse “sim”, os fariseus nacionalistas o acusariam de compactuar com o domínio romano; se respondesse “não”, os herodianos o acusariam de subversão. No entanto, Jesus, mais esperto que eles, denuncia a hipocrisia e desnuda a incoerência de seus adversários. A imagem cunhada na moeda é do imperador, portanto, a liceidade do imposto deve ser discutida com o Império. Mas há uma coisa que é de Deus, mais valiosa que qualquer moeda: a própria humanidade. Esta foi “cunhada” à imagem do Criador (cf. Gn 1,26-27), logo, a vida de cada um pertence somente a Deus. A dignidade das pessoas deve estar acima de qualquer modo de organização da vida social.

A cilada armada para Jesus nos chega com outra roupagem, mas com a mesma perniciosidade: afinal, política e religião se misturam ou não? Encurralados, deveríamos beber da sabedoria de Jesus. É preciso admitir que, de fato, o discurso político e o discurso religioso são autônomos e igualmente legítimos. Ambos nascem de dimensões irrenunciáveis do ser humano, que organiza sua existência junto aos seus semelhantes e busca sentido para a mesma. A história mostrou e ainda mostra o quão nocivo pode ser a confusão dos discursos, exemplificada num regime teocrático ou na união entre Igreja e Estado. Nós, cristãos, devemos promover sem medo o Estado laico que, em razão da própria natureza, nunca poderia degenerar num Estado antirreligioso, mas sim garantir a liberdade religiosa, dando voz a todas as expressões de fé. A Igreja, por sua vez, não pode nem deve tomar o lugar do Estado confundindo sua missão, porém tem o direito e o dever de contribuir no debate público para a promoção do bem comum e a realização da justiça (cf. Bento XVI, Deus Caritas Est, 28), aí reside sua missão profética que inclui o anúncio de vida em abundância para todos (cf. Jo 10,10).

Ao rebater os fariseus e herodianos, Jesus não cria um dualismo que separa o material e o econômico de um lado e o espiritual e o religioso de outro. Não há motivos para religião e política se excluírem mutuamente; não há motivos para termos medo e demonizarmos a política; ao contrário, há motivos de sobra para testemunharmos nos ambientes públicos, inclusive nos espaços de discussões e decisões políticas, os valores evangélicos, superando o preconceito de que a religião deve ser relegada à intimidade das pessoas sem qualquer incidência na vida social. A política é uma maneira exigente de viver o compromisso cristão.

Apesar de “tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum” (Francisco, Evangelii Gaudium, 205). A ação política, quando bem orientada, pode ser expressão da vontade de Deus. De qualquer forma, um cristão pode e deve iluminar o mundo da política, tanto no sentido stricto quanto no sentido lato do termo, com os valores evangélicos, oferecendo para a sociedade o que a fé cristã tem de melhor. Recorda o papa Paulo VI: “Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, esforçar-se-ão os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho e, dentro de um legítimo pluralismo por dar um testemunho, pessoal e coletivo, da seriedade da sua fé, mediante um serviço eficaz e desinteressado em favor dos homens” (Octogesima Adveniens, 46). Isto não significa, por exemplo, criar “bancadas” no poder legislativo, o que acaba sendo, na verdade, um desserviço. Nas relações públicas, o interesse da Igreja não deve ser outro senão vida digna para todos, pois, de acordo com Santo Irineu de Lyon, “a glória de Deus é o homem vivo”.

Jesus nunca confundiu as coisas, sabia muito bem o que era de César e o que era de Deus. Por outro lado, jamais poderíamos acusá-lo de ter sido um alienado; sua condenação e execução na cruz não aconteceram por acaso. Assim, não deixemos que morra a profecia e o testemunho público daquilo que professamos! Entre religião e política, nem confusão, nem separação.

Pe. Éverton Machado dos Santos
Vigário da Paróquia São Dimas

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